Ursula

Poetry

A Record of Existing

Anna Maria Maiolino’s poetry and photography in dialogue

Anna Maria Maiolino, High Tension, 1976. Digital print © Anna Maria Maiolino. Photo: Max Nauenberg

  • 12 April 2024
  • PT: Issue 10

For more than six decades, the Italian-born Brazilian artist Anna Maria Maiolino has drawn from her experience as a migrant and a mother to produce a highly personal and politically charged body of work. Maiolino’s formative migration from post-war Southern Italy to a politically unstable South America, as well as her linguistic passage from Italian to Spanish to Portuguese, has engendered an enduring fascination with questions of identity.

Poetry is central to Maiolino’s work, which flows freely across media and disciplines including sculpture, drawing, painting, photography and video. During the 1970s, she began to keep a sketchbook of drawings, notes, poems and other writings that she later described as “a record of existing.” In the following pages, Ursula presents five of her poems, dating from 1976 to 2017, translated into English for the first time. Maiolino—recently named a recipient of the Golden Lion for Lifetime Achievement at the 60th International Art Exhibition of La Biennale di Venezia—has chosen to pair this group of poems with a selection of historic and recent photographs from her personal collection.

(Sem título)

domingo à tarde
amor de dia
de tarde
o amor
arde
agoniza

[Rio de Janeiro, janeiro de 1976]

Anna Maria Maiolino, Untitled, 1981. Digital print © Anna Maria Maiolino

Film still of Anna Maria Maiolino from José de Anchieta Costa, Stop, 1975 © José de Anchieta Costa

(Sem título)

a casa não existe mais
a escuridão cobre os restos da cidade
a luz escondeu-se há tempos
e a morte apressou-se por conta própria
boiam os corpos dos filhos de pais desconhecidos nas águas do rio
são centenas de fardos
resta um sapatinho de criança, aqui
outro lá, no entorno aniquilado
as bombas caem
caem sem tréguas
tenho que acelerar os passos
a via é impraticável
meus pés sangram
dificultam-me estar de pé
sento-me no meio fio da calçada
desolada
não encontrei meus filhos
gritei por eles entre os escombros
gritei
gritei
gritei sem ter resposta
soluço baixinho

[Rio de Janeiro, Janeiro 1999]

Anna Maria Maiolino, Untitled, 2016. Digital print © Anna Maria Maiolino

Um tempo (Uma vez)

estamos indo
para onde?
para lugar nenhum
a via certa foi perdida
cadê a via certa?
cadê?
cadê tu?
está escuro, me dê sua mão
estou sozinho
a via certa foi perdida
cadê ele?
cadê?
passou por aqui
passou um
não passou nenhum
passaram cem mil
por aqui?
não!

mamamamamamama
mmmmmmmmmmm
mmmmmmmmmmm

quem é?
não sei
é ele
onde?
ali
o guardador de rebanhos

béé béé béé

eu penso com os olhos e com os ouvidos
penso com as mãos, com os pés, com o nariz e com a boca
e você?
não sei
eu olho para a direita e para esquerda da estrada
nunca para trás
quando não quero algo, não olho para trás
jamais
eu sou assim
eu sou assim
por enquanto durmo e sonho
sonhos verdadeiros
enquanto estou indo para lá
para a linha do horizonte
entro na primeira?
entra na quinta
a primeira não
a segunda não
a terceira também não
a quarta tampouco
eu disse: toma a quinta
como?
esqueça
só te digo, amigo
não vá ao jardim florido
não vá lá
tu sabes?
o que?
quem ama nunca sabe o que ama
e tu sabes?
que exagero querer saber o mistério das coisas
sei lá o que é mistério
fecho os olhos ao sol para nada ver
nada vejo
é?
é!
não deverias falar assim consigo mesmo
já chega!
vago
ou pervago
não consigo abrir os olhos
acorda!
acorda!
não posso, não dá
não dá
melhor assim, muito melhor
estou tentando
agora dói tudo
mas tu resistes na esperança
e como?
vestes aquele jeans e a camisa amarela
diante do espelho das um jeito no cabelo
e esperas
que horas são?
é meia noite e ela não veio
idas
vindas
voltar não volto
não
não!
por que não?

ouço sinos e tambores
o amor está aqui,
que?
por quê?
para esquecer você
eu vou e não volto
a chuva cai
cadê a água?
tão abençoado me sinto!
mergulhado neste vasto êxtase,
dentro de meu próprio corpo
dentro de meu próprio corpo

[São Paulo, 2009]

Este texto é recitado no vídeo “Um tempo (Uma vez),”
produzido pela artista Anna Maiolino no ano de 2012.

Untitled, 2016; From the making of the performance Al di là di, presented at the Padiglione d’Arte Contemporanea, Milan, Italy. Performer: Gaya Rachel. Photo: Lívia Gonzaga

Anna Maria Maiolino, 4100, 1997/2014. Digital print © Anna Maria Maiolino

Film still from Anna Maria Maiolino’s Look That, New York! New York, 1982/2008 © Anna Maria Maiolino

(Sem título)

chamo à tua porta,
tu não estás.
as janelas estão abertas,
mas tu, não estás

quero te dizer que
nossa cidade
não existe mais,
foi bombardeada,
foi destruída

chorar quero contigo,
mas, tu
tu não estás

[São Paulo, 2016/2017]

Anna Maria Maiolino, Untitled, 1981. Digital print © Anna Maria Maiolino

(Sem título)

um objeto não identificado está para cair do céu, dizem
quantas coisas são ditas
outra, é que a perfeição não existe
legado de nossos pais, que perderam o paraíso para sempre
ainda assim, eu digo que
um coração amante encontrará beleza até na imperfeição.

[Rio de Janeiro, fevereiro 1990]

Poems translated by Clifford Landers.

Anna Maria Maiolino is one of the most important artists working in Brazil today. Across a wide range of disciplines and mediums, Maiolino relentlessly explores notions of subjectivity and self. Her deeply formative migration from postwar southern Italy to a politically unstable South America, as well as her linguistic passage from Italian to Portuguese, engendered an enduring fascination with identity.